terça-feira, 12 de abril de 2011

NERVO


ou dizer afirmativamente

não

- folha de quebra -

dizer grave

«um grosso filão»


[dança dos espigões linguísticos]


ou interpelar a frase

- duas partes -

a inteiro corpo desdizer as

vísceras queimando víveres

numa linguagem gratuita


: sonhar um país de intestinos comunicantes

quarta-feira, 5 de março de 2008

PLÁTANO

vejamos a grossura da linguagem oculta
esse velho soldado vegetal
petrificado na pequena praça
um estandarte de anéis expeditos
cravado no rodapé da história
um marco bélico de insígnias benignas
saudemos com ele a fúria protocolar das estações
mordamos em sua honra
as milimétricas peças do grande relógio
porque a nossa robustez está no equilíbrio dos sentidos
no complexo sistema de vagões celulares

a sintonia carbónica lambe a efemeridade do futuro
cintila nas sílabas que o tempo trauteia
assim se engrossa esta linguagem a nós oculta
num primeiro olhar
(premonitória herança do dilúvio)
a linguagem ao sabor da folia de espectros inesperados
armadilhas arquitectadas aqui e ali
pelos anões que descansam
por turnos
nas ramagens mais gordas das árvores

celebremos este lugar
que o plátano há tantos anos come
há tantos anos digere sem perder firmeza
tonificando resplandecente
as folhas os ramos
os nós da camisa implacável
há tantos anos preso à cinérea jovialidade

celebremos esta praceta
atentemos na côncava alegria vinda dos espectros
– um gigantesco olho-de-mosca granítico
apontado ao céu

Porfírio Al Brandão [2008]

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

um pulmão é banhado no escuro
e o focinho da poeira de um canteiro
pode ser o início da voz.
de uma tília infinita e equinocial
uma válvula de porcelana
e a perfuração redentora e métrica do corpo

num forno expiram rosas entrançadas
a serpente soprada interiormente
um castiçal raiado em corrente única
para calcinar ritmicamente o sangue
cegar os peixes loucos
e morrer durante a neve.

do fundo de uma mão há um interruptor estilístico
e as peras coadas a transbordar em orvalho
e uma lua pulmonar.
é a rasar as gárgulas que ateia o baptismo iluminado entre os charcos
e as cavidades do Inferno são uma zona em mármore cardíaca
e morrer dela
é uma rama de átomos.

cristina néry_fev 2008

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

encontro as searas e as bailarinas como um espaço de texto-viga apoiadas romãs no centro da terra. a verter. a garganta é uma localidade de circunferências um pescoço em válvula e o estendal. reluz a orquídea dourada da águas das cerejas prenhes e reluzem inchados meteoritos frutos a morrer num derrame na mármore. cristina néry

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Morro
Onde se deformam
os raios das árvores
não te consigo dizer
a força das substâncias
a coluna vertebral.

Deixaste-me somente
escorrendo os poros
entre lâminas
encaixadas na pele.
Havia um berço
de borboletas
em cima de um livro
escorriam sílabas.
Ainda tens a beleza
correndo-me as artérias rotas.
espalhaste-te tão somente
entre o sangue
eu perdi todas as veias.

Graça Magalhães

domingo, 30 de dezembro de 2007

Mesmo que não possa morrer agora
e sujar a sombra
quero estar outra vez no olhar dos lírios
no despudor do fogo
arder a garganta como se estivesse Primavera
e houvesse vento e pólen
e um aperto translúcido de nostalgia.
Também experimentar outra vez o riso
nesse olhar de montanha
acordar como se pudesse haver alma
e um lugar de grandes aranhas quietas
à minha espera.

Graça Magalhães

SUPERNOVA

Carlos Calvet, 1964



há sangue a queimar ● entra depressa no quarto


sacode a estrela vizinha (ela brilha nos cortinados)

estreia-a na noite como quem solta as aranhas trepadeiras

põe-lhe a vermelhidão mortal com que inauguras os dias

poderás sorrir no flanco empoeirado das estações

a repetirem-se vezes sem conta no pestanejo rápido

junto aos livros libertados dos caprichos do calendário

cumprindo pena exilados, excluídos do carrossel sazonal


a mesa ferve madeira ● doa carbono


ressoa silhuetas libertinas, esquissos difusos

a lembrarem rostos que amealham faíscas

por um bocejar noctívago do líquen a pairar no hall

poderás identificar fantasmas e comer com eles

talvez até perscrutar vozes obscuras no mofo dos móveis

embarcar no torvelinho torrencial dalguma memória

a gazear no tecto agora picotado e permeável


a muralha nos intestinos ● a miríade vibrátil


espera algures qualquer coisa lá fora para amar

num trecho de mundo a beijar atrapalhadamente

para que reinventes passo a passo o perto em aperto

sem fechar definitivamente esse vórtice surpreendente

e salvaguardes o berço dos cometas; com sorte, talvez

aches lá fora quem de honesto conte frios os minutos

presos aos dedos – patronos do medo, abençoados na perda


pergunto-te: até quando jejuarei nas entrelinhas?

Porfírio Al Brandão [2007]