domingo, 30 de dezembro de 2007

SUPERNOVA

Carlos Calvet, 1964



há sangue a queimar ● entra depressa no quarto


sacode a estrela vizinha (ela brilha nos cortinados)

estreia-a na noite como quem solta as aranhas trepadeiras

põe-lhe a vermelhidão mortal com que inauguras os dias

poderás sorrir no flanco empoeirado das estações

a repetirem-se vezes sem conta no pestanejo rápido

junto aos livros libertados dos caprichos do calendário

cumprindo pena exilados, excluídos do carrossel sazonal


a mesa ferve madeira ● doa carbono


ressoa silhuetas libertinas, esquissos difusos

a lembrarem rostos que amealham faíscas

por um bocejar noctívago do líquen a pairar no hall

poderás identificar fantasmas e comer com eles

talvez até perscrutar vozes obscuras no mofo dos móveis

embarcar no torvelinho torrencial dalguma memória

a gazear no tecto agora picotado e permeável


a muralha nos intestinos ● a miríade vibrátil


espera algures qualquer coisa lá fora para amar

num trecho de mundo a beijar atrapalhadamente

para que reinventes passo a passo o perto em aperto

sem fechar definitivamente esse vórtice surpreendente

e salvaguardes o berço dos cometas; com sorte, talvez

aches lá fora quem de honesto conte frios os minutos

presos aos dedos – patronos do medo, abençoados na perda


pergunto-te: até quando jejuarei nas entrelinhas?

Porfírio Al Brandão [2007]

2 comentários:

grupo poético disse...

Jejuarás nas entrelinhas enquanto não puderes amar o berço dos cometas, jejuarás enquanto a luz não rasgar as estrelas.
Gostei. Mas há uma sucessão de imagens que perturba o encontro com a mensagem e eu...ando sempre à procura de mim nas palavras que escrevo e nas palavras dos outros.
Os teus poemas ganham mais se forem mais curtos. Tornam-se mais poderosos.
Graça Magalhães

porfirio disse...

Graça minha:

compreendo o que dizes e concordo.

por vezes finco-me à brevidade e o poema sai curto

mas este poema, como os outros,ganhou vida própria!

... e quem sou eu para lhe amputar o assobio e toda a encantatória ontológica.

bjo-te